gostei de te ver ontemna saída
do metrôa tarde ainda
puxando
o carrinho de soluns transeuntes pra
lá e pra
cáborboleteando nós dois
paradosmastigando a surpresa como um chiclete
de hortelãeu não precisaria ter ditohá quanto
tempo!
era pra
ter deixado o tempo parecer
um mero
lago
nada
de oceanode rio sábionem a solidão esta ilhaindecifrávelnem o medo
esta corrente gelada nos
tornozelos
era pra ter deixado o tempo não ser maisdo que
a meteorologia
das relaçõesos
cúmulos-nimbos de alguns aborrecimentos
pelos atrasos diáriosos cirros esticando os lábios
bronzeando a pele
uma garoa aqui
e ali atrapalhando algum
plano de sairnada
deste um-dia-atrás-do-outro estrangulando a minha
jugulareste sentir falta de ticomo a água nas
brânquias
a inquietação como
as tormentas imprevisíveisos tremores
nas mãos carregadasde vazioera pra deixar o tempo parecer
uma mera poça
d'água quase
secamas
meus olhos
estenderam
as fortes ondas
refazendo as tentativasmorrendo nas tentativas
desvendaram o azinhavre ao longo
dos trilhos
ínviosa caatinga nas
varandas de labirinto
e um ricto na minha
boca
denuncioutodos
os instantes que
ela ficousem tocar na tua pelecomo
se fosse possível resgatar
cada grão
de areiadespejada nas
dunasmas não
estávamos no Saaranão
estávamos
no sertão
havia até
um ventinho fresco
esvoaçando as nossas mímicase o ruído
do próximo metrô chegando
ameaçava com a quantidade
de gente
subindo a escada rolanteestávamos na saída
do metrô
nos despedimos com
um aceno de mão no ar como uma folha
balançando na hastee com
a tua costumeira indiferença
de pardal alçando vootu
nada percebeste
na madrugada um caminhão de transportecarregando
litros de leitesofreu um acidente
o motorista saiu ilesocom
as calças mostrando o rego
mas os litros
se espatifaram no negro do piche
dava pra se pensar
na morte dos líriosedos
jasmins
dava pra se pensar
no caiar das sombrase do lodo
dava pra se pensar
no equívoco da lua
novaestendida
se entregando ao piche como ao negro
da noitesobre a pele
refletia a luz débilembriagadado poste testemunha
as matizes dançavam nas poças brancasfeito pirilampos
conforme o ânguloe quando
o abóbora do sol
chegou
nas primeiras horas de um feriadofaminto
logo manchou tudo
de alaranjado de tal forma
que os trigos
quase resolveram nascer
ali
sei de tudo
isso
porque passei de carro
na pista ao ladoe
tirei
uma fotografia digital
na virilhaentre a noite e
o dia
inertediminuídoo tronco caído
descansas do meu corpo passado a
limpo
do invólucro da minha mão quente
e o calor na caverna
da minha boca
onde amadureceste
com gosto
de fruta sharonpenetraste no túnel
dos meus segredos
tangíveise a rigidez
da tua procura
apertada nas paredes
da carne maciaatingiu a intensidade
e a cadência do chegaraté
o suor escorrer
pelos músculos
embaçados da janela fechada
Viviane de Santana Paulo, paulistana, é autora do livro Passeio ao Longo do Reno (2002) e Estrangeiro de Mim (2005), publicados pela editora alemã Gardez! Verlag. Participa das antologias Antología de poesía brasileña (Huerga Y Fierro, Madri, 2007); e Roteiro de Poesia da Brasileira - Poetas da década de 2000 (Global Editora, São Paulo, 2009). Publicou poemas em revistas e jornais literários brasileiros e latino-americanos.
[revista dEsEnrEdoS - ISSN 2175-3903 - ano III - número
9 - teresina - piauí - abril maio junho de 2011]