Argônio Viriato surpreendeu-se com a
repentina aparição daquela criança bem à sua frente, enquanto acarinhava as
lembranças de nove décadas no suave vai-e-vem da cadeira de balanço.
Divertia-se com a deformação de sua imagem refletida na maior bola da árvore de
natal, sempre que o movimento da cadeira aproximava dela o seu rosto.
O menino, no entanto, desviara-lhe a atenção.
E não só pela beleza, mas também pelo sorriso e alegria. Talvez tivesse uns
três ou quatro anos. Via-se pelas roupas que não se tratava de criança
abandonada na rua. Argônio deduziu então que logo apareceria ali alguém aflito,
possivelmente a mãe.
Crianças e velhos se entendem porque se
aproximam. Aquelas, porque trazem do útero a paz da ingenuidade; estes porque a
procuram, levados pela experiência e empurrados pelos desencantos. Daí a graça
e a leveza do diálogo, entremeado por deliciosas risadas entre Argônio e o
menino. Até que o olhar da criança se deteve no pequeno cordão metálico que,
sem perceber, Argônio girava de um lado para outro, enrolando-o no dedo
indicador. Foi então que o homem fez oscilar o cordão como um pêndulo, diante
da criança.
- Vovô vai hipnotizar você, você vai
dormir...
Os olhos do menino sorriam como seu rosto.
- Vou hipnotizar... Você está ficando com sono...
- o velho insistia.
Quando acordou, Argonio percebeu que estava
sozinho diante da árvore de natal. E que reencontrara ali a paz que perdera há
muito, muito tempo.
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Eduardo Lara Resende nasceu em Belo
Horizonte, MG.Estudou Direito, mas
acabou dedicando-se ao jornalismo. Jornalista profissional, escreveu para o
Jornal do Brasil, Estado de Minas, Hoje em Dia e revistas diversas. Trabalhou
ainda em agência de publicidade, no Rio de Janeiro. Ghost writer de vários livros no gênero biografia, seu mais recente
trabalho é a memória de importante instituição patronal da indústria mineira
trabalho concluído em 2009.
[revista dEsEnrEdoS - ISSN 2175-3903 - ano III - número
8 - teresina - piauí - janeiro fevereiro março de 2011]