A produção de territórios flexíveis nos espaços públicos teresinenses através da cultura da prostituição
Stanley Braz de Oliveira - UECE[1]
RESUMO
Objetiva-se
analisar o espaço urbano a partir da produção dos territórios flexíveis,
construídos no espaço urbano teresinense, que divide e caracteriza o centro da
cidade como área de obsolência, dando a esse lócus características próprias e mutáveis,
e produzindo culturas que representam aqueles que ali imprimem suas identidades.
Os agentes produtores do espaço urbano o constroem e reconstroem resultando na
territorialização deste, que acolhe as mais diversas culturas dos seus
produtores. Nessa perspectiva este artigo analisa o centro histórico de
Teresina, que ao longo do desenvolvimento da cidade produziu um espaço que
acomodava a zona sexual nas proximidades do rio Parnaíba, área que servia de
ancoragem para os barcos que trafegavam no rio Parnaíba no início dos anos de
1930. Esta prática sexual construiu territórios flexíveis alimentados por esta
cultura da sexualidade, que durante o dia acontece de forma tímida e recolhida
aos prostíbulos e à noite demonstra a outra face: atrevida, desinibida e
flexível, pois um dia localiza-se em uma determinada rua e dias depois em outras. Tal prática fragmenta
o centro em vários territórios sexuais, territórios estes alimentados por aqueles
que buscam satisfazer seus mais distintos desejos carnais.
PALAVRAS-CHAVE: Espaço.
Territórios Flexíveis. Cultura da Prostituição.
ABSTRACT
It aims to analyze the urban space from the production
of flexible territories, constructed in space Teresina city, which divides the
center and features city as an area of obsolescence, giving that locus and
changing characteristics, and producing cultures they represent those who call
it their print identities. The agents of urban space the producers construct
and reconstruct the resulting territorial this, which hosts the most diverse
cultures of their producers. From this perspective this paper analyzes the historic
center of Teresina, which over development of the city produced a space that accommodates
the sexual area near the river Parnaíba area that served as anchor for boats River
traffic Parnaíba in early 1930. This sexual practice areas built flexible fed
by this culture of sexuality, which for The days happens so shy and withdrawn
to brothels and evening shows the flip side: sassy uninhibited and flexible,
because one day finds himself in a particular street and then on other days.
This practice fragments the center in several areas sex these territories
served by those who seek
satisfy their carnal desires more distinct.
KEYWORDS: Space. Territory
Flexible. Culture of Prostitution.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A construção da
territorialidade urbana é digna da palavra complexidade, pois envolve os mais
diversos agentes do espaço urbano, agregando a si valores, poderes e
representações, resultando em um sentimento de pertencimento ao lócus de vivência
seja ele contínuo ou fragmentado, como o que ocorre nos espaços flexíveis
representados pela sexualidade ou por outras culturas permanentes mas flexíveis
a mudanças de lócus, como a capoeira, o reisado, o Hip Hop, etc.
Independente do tipo de
utilização do espaço nota-se a sua suma importância para a sobrevivência e
desenvolvimento do homem, fazendo desta necessidade a mola propulsora para a
apropriação e construção do mesmo, territorializando-o e desterritorializando-o
em uma sincronia regida por seus interesses O território, neste processo, não é
apenas o ter, mas o ser. Sendo visível a ligação e a supremacia de uma sobre a outra,
pois a idéia de ter o poder que segue a tendência capitalista sendo relacionada
com a idéia de valores que se agregam a essas representações físicas como
residências, automóveis ou até mesmo a dominação de territórios flexíveis, que
representam o poder de conhecimento e ocupação do mesmo, dá ao território duas
facetas, a funcional e a simbólica, que se agregam ao ponto de tornarem-se umaa continuação da outra.
São essas simbologias e
funcionalidades que norteiam este texto para a construção de sua objetividade,
pois tem como base o conhecimento da produção territorial e as mais diversas
manifestações envolvidas neste processo complexo como a sexualidade que formam
diferenciadas territorialidades flexíveis no espaço urbano de Teresina, que
durante o dia acontece de forma tímida e recolhida aos prostíbulos e à noite
demonstra a outra face: atrevida, desinibida e flexível, pois dia localiza-se
em uma determinada rua e dias depois em outras esquinas. Estas práticas
fragmentam o centro em vários territórios sexuais, territórios estes
alimentados por aqueles que buscam satisfazer seus mais distintos desejos
carnais.
Segregou-se um determinado
espaço do centro de Teresina que desde o início de sua formação já demonstrava
a sua funcionalidade, por localizar-se perto do porto do ria Parnaíba, local
onde circulava a maioria das pessoas que entravam e saiam da cidade, dando a uma
rua em específico, a Paissandu, o estereótipo de rua da prostituição,
denominação esta que até hoje vive na memória coletiva da sociedade teresinense,
demonstrando o poder de produção social e espacial da cultura da prostituição.
2 DIÁLOGO SOBRE TERRITORIALIDADE
É interessante antes de quaisquer manifestações acerca da
territorialidade urbana produzirmos um diálogo sobre os mais variados conceitos
sobre territorialidade na visão dos mais diferentes segmentos da ciência
geográfica. Haesbaert afirma que a origem da palavra território vir do latim territorium, que é derivado de terra e
que nos tratados de agrimensura apareceu com o significado de pedaço de terra
apropriada. Esta afirmação é reforçada por Saquet ao dizer que o território é
produzido espaço e temporalmente, temporários ou mais permanentes, pelo
exercício de poder de um determinado grupo ou classe social. É importante a
compreensão das relações de: poder, com
os recursos naturais, as de produção ou as ligações afetivas e de identidades
entre um grupo social e seu espaço. Mas é também relevante a compreensão de
quem domina ou influencia e como essa relação se reflete no espaço.
A constituição de grupos determinantes na configuração de
territórios é vital para a sua organização, pois nos mais diferenciados
territórios, como o da prostituição ou do tráfico de drogas, pode haver
territórios tanto amigos, quanto inimigos, sendo possível a ocorrência de
conflitos e disputas. Toda essa organização é paralela à supremacia do Estado e
este não participa da configuração da territorialidade desses grupos.
As
grandes metrópoles modernas [...], com toda sua complexidade, parecem conter os
exemplos mais interessantes e variados de tais territorialidades flexíveis,
os territórios
da prostituição feminina ou masculina (prostitutas,travestis, michês), onde os "outros"
tanto podem estar no mundo exterior em geral (de onde vêm os clientes em
potencial) quanto,
em muitos casos, em um grupo concorrente (prostitutas versustravestis), com os quais se pode entrar em conflito. Esses "territórios, comumente
encontrados naqueles locais próximos ao Central Business District (CBD), que se convencionou chamar de
blighted áreas, áreas de obsolescência ou "espaços
deteriorados", muitas vezes (a não ser no caso de um bas fond como a
decadente Vila Mimosa, na cidade do Rio de Janeiro, que foi o que restou da famosa "Zona do Mangue")
são "apropriados" pelo respectivo grupo apenas à noite. Durante o dia as ruas são
tomadas por outro
tipo de paisagem humana, típico do movimento diurno das áreas de obsolescência:
pessoas trabalhando ou fazendo compras em estabelecimentos comerciais, escritórios de baixo status
e pequenas
oficinas, além de moradores das imediações. Quando a noite chega, porém, as lojas, com
exceção dos bares e night clubs, estão fechadas, e os transeuntes diurnos, como
trabalhadores "normais",
pessoas fazendo compras e os residentes do tipo que a moral dominante costuma identificar
como "decentes", cedem lugar a outra categoria de frequentadores, como
prostitutas (ou travestis,
ou ainda rapazes de programa) fazendo trottoir nas calçadas e entretendo seus clientes em
hotéis de alta rotatividade ( SOUSA, 2000, p. 87-88).
Parece
natural a disputa na produção dos territórios, visto que eles representam
poder, fato este que impulsiona os agentes produtores de um determinado espaço
a territorializá-lo, para ao tempo que o organiza delimitar suas formas e
funções construindo ali uma identidade que representa quem o construiu. Essa
ideologia de posse e poder que os possuidores do território constroem pode ser
corroborada pelas idéias de Raffestin:
quando se fala no território faz-se sempre
uma referência implícita à noção de limite que, mesmo não sendo traçado, como
em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém com uma porção do
espaço. A ação desse grupo gera, de imediato, a delimitação e a posse. (RASFFESTIN
1993, p. 153),
Esses grupos formam os agentes produtores do espaço, que
são vitais para a dinâmica espacial, mesmo sendo um grupo excluído ou visto com
desvalorização social, tem uma função: a de produzir culturas que se apropriam
do espaço dando a ele novas formas e identidades que se agregam na memória
pessoal de seus viventes e através da sociabilidade diária tornam-se memórias
coletivas, resultando na cristalização de suas ações expressos em símbolos ou
na história dos espaços produzidos. Toda essa discussão sobre territorialidade
fornece embasamento para a discussão da produção territorial produzida pela
sexualidade no centro de Teresina PI, que produz uma nova organização
flexível para o centro da cidade, dando a ele várias faces construídas pelos
mais variados agentes envolvidos na dinâmica da territorialidade sexual diurna
e noturna nos guetos do centro histórico.
3 DESCORTINANDO A CULTURA DA
PROSTITUIÇÃO NO CENTRO DE TERESINA PI E A PRODUÇÃO DAS TERRITORIALIDADES.
Teresina
surge em 1852, planejada e com crescimento lento. Durante muitos anos manteve a
sua atividade ligada à produção agropecuária, mas devido sua posição geográfica
estratégica dá início ao desenvolvimento econômico e urbano relacionado
principalmente com o comércio, que a transforma em centro distribuidor do
Estado. Com este desenvolvimento, a cidade cresce e as zonas centrais deixam de
ser áreas cômodas para a habitação da classe de maior poder aquisitivo, dando
início a um processo de descentralização direcionado para o bairro Jockey Clube,
que posteriormente seria dividido em Jockey Clube, Fátima, São Cristóvão e Ininga,
dando um novo sentido à utilização do solo urbano teresinense, ampliando o
desenvolvimento e expansão do perímetro urbano da capital.
Com o crescimento urbano de
Teresina, surgem bairros distantes, como Buenos Aires e Água Mineral; atrelados
a eles ocorreu o aparecimento de pequenos comércios nas proximidades, que
desencadeou o crescimento de mais conjuntos habitacionais onde merece destaque
o Dirceu Arcoverde e o Saci, que fizeram aumentar consideravelmente a população
e a economia da cidade, que demonstrava seu crescimento, e com eles surgiam as
desigualdade sociais: enquanto na zona leste concentrava-se a população de alto
poder aquisitivo, nas zonas periféricas surgiam as primeiras favelas,
segregando as classe sociais espacialmente e economicamente, fazendo com que os
menos favorecidos procurem práticas informais para sua sobrevivência, entre
elas a prostituição.
O perímetro urbano modela-se
e remodela-se, explicitando a mutalibilidade do espaço urbano; o centro de
Teresina, que foi construído pela organização comercial, e serve de atrativo
para todas as classes sociais independente da zona onde viva, acomoda
inicialmente todos os serviços que uma cidade podia oferecer. Mas esta oferta
excessiva, unida aos agentes formadores do espaço urbano como os promotores
imobiliários, fez com que os moradores do centro de Teresina se removessem para
áreas mais distantes, transformando o centro em uma área praticamente comercial
e segregadora residencial . Segundo Corrêa,
a atuação espacial
dos promotores imobiliários se faz de modo desigual, criando e reforçando a
segregação residencial que caracteriza a cidade capitalista. E, na medida em
que em outros setores do espaço produzem conjuntos habitacionais, a segregação
é ratificada. (CORRÊA 2002 p. 32-24)
Esta remoção dos moradores
das cidades para as áreas periféricas de Teresina remodela o centro da cidade,
fazendo dele uma área comercial e movimentada durante o dia, e a noite um
espaço visitado por aqueles que procuram o prazer carnal. Esta procura produz
no centro um novo território, o território sexual, representado pela busca do
prazer, do perigo, da sexualidade. Estas manifestações inatas dos seres humanos
produz esse novo lócus no centro de Teresina, o da sexualidade, que remonta ao
início da formação territorial da cidade e que chega ao Século XXI com uma nova
roupagem, mas que não perdeu a identidade sexual movida pelo desejo. Para
Deleuze e Guattari,
o desejo é um
conjunto de sínteses que maquinam os objetos parciais, os fluxos e os corpos, e
que funcionam como unidades de produção. Ao desejo não falta nada, a ele não
falta seu objeto. É antes o sujeito que falta ao desejo, ou ao desejo que falta
ao sujeito fixo. O sujeito e seu objeto são as mesmas coisas: a máquina,
enquanto máquina de máquina. O desejo é máquina, o objeto do desejo é ainda
máquina ligada, tanto que o produto é extraído do produzir, o objetivo do
desejo é o real em si mesmo (DELEUZE e GUATTARI,1976, p.44)
Toda essa retórica sobre a
sexualidade nos sugere várias indagações como o porquê de um elemento cultural
secular que surge nos tempos bíblicos através da prostituição familiar dos
caldeus, que foi incorporada e desenvolvida pelo mercantilismo emerge de uma
prática religiosa para um movimento profano regido pela desigualdade do
emergente sistema econômico capitalista, que segregava e modelava as ações
antrópicas dos espaços urbanos, se apropria do espaço urbano deTeresinafazendo do centroda cidade,
especificamente da rua Paissandu, um território do prazer desde o início de sua
produção.
São indagações complexas de
se obter uma resposta clara, visto que as ações sociais são realizadas de
acordo com os desejos e necessidades de seus agentes; a prostituição traz
consigo costumes milenares que foram modificados e adaptados por seus novos
praticantes, não nos permitindo determinar o porquê de alguém prostituir-se
diante de toda a banalização que a modernidade trouxe para o sexo. Mas a prostituição
moderna nos permite visualizar a conservação de características peculiares
dessa cultura que sobreviveu ao longo do tempo, e que se inova junto com
sociedade indo as ruas, territorializando os espaços e descortinando uma nova
versão da territorialidade: a dos territórios flexíveis, como as que ocorrem no
centro de Teresina, onde as prostitutas mobilizam-se mudando de esquinas de
acordo com suas necessidades, construindo no centro da cidade uma zona de
prostituição flexível, mas que não tirou de uma determinada rua, aPaissandu, o titulo de zona de
prostituição, denominação esta que adquiriu no século passado.
RUA PAISSANDU NO SÉCULO
PASSADO
Fonte:
Sá Filho, 2006
Observando-se a rua
Paissandu no século passado, percebe-se a sua similaridade com a Paissandu do
Século XXI, visto que durante o dia ela é pacata e discreta, guardando para a
noite as suas mais diversas forma de prazer. No século passado esta rua voltava-se
para atender aos boêmios da cidade em busca de diversão, hoje ela atende aos
mais diversos atores da prostituição teresinense. Sá Filho (2006, p. 56) afirmaque:
contrariando a abordagem hierarquizante da
cidade a partir do centro como lugar de licitudes e disciplinas e as margens
como lugar de transgressões e relações ilícitas, a Paissandu se constituiu como
a mais tradicional zona boêmia e de prostituição em Teresina sem estar fora do
perímetro urbano, mas dentro dele. Fisicamente foi traçada como uma das vias de
acesso para a parte mais central da cidade, partindo da margem do rio Parnaíba,
com o nome de Rua do Pequizeiro, 26 e posteriormente recebendo a denominação de
Paissandu. Com as ruas adjacentes, constitui-se na zona, de modo que a
palavra Paissandu passou a significar não somente um nome de rua, mas o
de baixo meretrício, local de prostituição. A partir dessa significação, no
cotidiano da cidade, inventou-se a expressão descer a Paissandu, que quando
usada referindo-se a alguma mulher, não significava deslocar-se àquela via
pública, mas tornar-se prostituta.
A análise da sexualidade no centro de
Teresina, praticada durante o dia nas ruas do centro, onde as prostitutas
demarcam seus territórios nas ruas Teodoro Pacheco com a rua Riachuelo como
mostra mapa abaixo
Fonte: Google Mapas, 2010
produz uma demarcação do território da sexualidade e é
alimentada pela busca dos clientes concorrendo com os prostíbulos ou em muitos
casos buscando os clientes para dentro destes, ação esta incentivada pela
concorrência resultante da disseminação da prática sexual no centro da cidade,
que recebe diariamente os mais diversos moradores oriundos dos mais distintos
bairros da cidade, desenvolvendo a sexualidade que foi produzida no início do
século e hoje remodela-se acompanhando as inovações da sociedade globalizada: os
prostíbulos até terceirizam serviços, constroem-se
os motéis no meio das lojas, produzindo um eclipse para aqueles que passam
rapidamente pelas ruas do centro de Teresina, pois não conseguem ver a
territorialização da sexualidade produzida no centro da cidade. O grupo exerce o seu controle no território para
conter o acesso de indivíduos a um determinado local. Ou seja, a
territorialidade é uma estratégia de
estabelecer diferentes graus de acesso a pessoas, coisas e relações"
(SACK, 1986, p. 20).
A dinamicidade da
prostituição traz algo de suma importância para análise espacial, pois não é
somente o ato da sexualidade oriunda da prostituição que inova a análise
territorial,mas a forma como a
prostituição territorializa o centro da cidade como se fosse um campo de guerra,
onde a cada esquina encontra-se uma prostituta persuadindo discretamente um
cliente e explicitando àqueles que habitam diariamente ali a idéia de poder, demarcação
e proteção do seu território, ato este convivendo lado a lado com a sociedade
que circularapidamente por aquele
território movido pela pressa da vida urbana, que não se dar conta dessa
modalidade capitalista que se tornou um clássico cultural na vida da sociedade
ocidental.
[...] todo território
é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e
simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar funções
quanto para produzir significados. O território é funcional a começar pelo
território como recurso, seja como proteção ou abrigo (lar para o nosso
repouso), seja como fonte de recursos naturais matérias-primas que variam
em importância de acordo com o(s) modelo(s) de sociedade(s) vigente(s) (como é
o caso do petróleo no atual modelo energético capitalista) (SACK, 1986 p 219).
A prostituição no espaço urbano de Teresina produz de
forma simbólica o que podemos chamar de fronteiras imaginárias, combinando a
apropriação do espaço com a legitimação de sua posse. Os grupos de prostituição
segregam seu próprio território, defendendo-o com todas as armas sejam elas
verbais ou concretas. A posse espacial desenvolve o controle territorial
formando instrumentos obtenção do poder, pois a prática da prostituição constrói
uma relação de poder, para aquelas que fizeram dali meio de sobrevivência.
Essa produção territorial
cristalizada no centro de Teresina, movimentada pela descentralização
residencial, representa uma mudança de faceta, pois quando a noite cai e o
esvaziamento do centro remodela a prostituição, diminui a circulação de pessoas
e carros, recolhendo discretamente o território diurno da sexualidade e formando
o novo território flexível da sexualidade, o noturno fazendo-se aparecer nas
esquinas das ruas Félix Pacheco, Paissandu, João Cabral, Firmino Pires e nas
portas dos antigos armazéns agrupamentos de prostitutas profissionais ou não, temporárias
ou permanentes, mas todas incorporadas na identidade de prostitutas oferecendo
seus corpos por preços baixos, territorializando e postando naquele espaço
fragmentado pela sexualidade a identidade de lócus sexual na memória daqueles
que habitam diariamente ou ocasionalmente freqüentam o território flexível da
sexualidade noturna no centro de Teresina, produzido e reproduzido pelos
detentores do poder.
Essa prática cultural da
prostituição rompeu as barreiras do tempo e do espaço, valores e discriminação
social e tem sobrevivido ao longo do século XX e início do século XXI na
sociedade teresinense, construindo identidades e territórios flexíveis voltados
para satisfazer os desejos profanos daqueles que freqüentam a zona de
obsolência do centro de Teresina, propagando a cultura da prostituição pelas
gerações e construindo a historicidade da prostituição nas ruas do centro
histórico de Teresina. Demonstra-se, assim, o poder de apropriação espacial que
detém uma determinada cultura.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A cultura da prostituição
acompanha as civilizações desde os tempos bíblicos, evoluindo de uma prática
cultural religiosa para uma apropriação pelo mercantilismo que a transformou em
uma prática capitalista, permitindo-a sobreviver a todos esses momentos
históricos, trazendo-a para a modernidade renovada com os mesmos preconceitos e
características, mas com um diferencial: o de transformar os espaços
territorializando-os para suprir suas necessidades básicas.
A territorialização dos
espaços traz características peculiares como a sua delimitação para demonstrar
poder. Isso ocorre desde a organização espacial mundial em que todos queriam
delimitar seus espaços, pois quem tivesse mais espaço obviamente deteria mais
poder, o poder que comanda o mundo levando quem o detém a determinar as leis de
um determinado território. A prostituição agrega esses valores para produzir
seus territórios, sejam eles nos prostíbulos ou nas esquinas, afinal os espaços
estão territorializados para demonstrar posse e poder de quem o detém.
No espaço urbano de Teresina,
a peculiaridade da prostituição se expressa; a cidade tem suas primeiras
movimentações comerciais de grande relevância no centro da cidade onde se localizava
os cais do Rio Parnaíba, agregando a maior circulação de pessoas na Teresina do
século passado, onde posteriormente se originaria o centro da cidade que, por
sua gênese e essência, volta-se para atender toda a população da cidade
agregando serviços e entretenimentos como a prostituição, que timidamente se apropria
de espaços fixos e movimenta a zona boêmia da cidade, dando à rua Paissandu o
título de rua boêmia.
A modernização da cidade
afastou os moradores do centro, transformando-o em um lócus de comercialização
diurna, em que algumas prostitutas discretamente misturam-se entre as pessoas
que lá circulam. Mas, ao cair da noite, a prostituição remodela-se,
territorializando o centro da cidade de forma fixa ou flexível, demonstrando
demarcação e poder naquele espaço e permitindo uma visualização da força de
produção e reprodução territorial de uma prática cultural.
REFERÊNCIAS
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Paulo: Ática, 2002.
DELEUZE,
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FOUCAULT,
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HAESBAERT, Rogério. Des-territorialização
e identidade: a rede gaúcha no nordeste. Niterói: EDUFF, 1997.
RAFFESTIN, Claude. Por
uma geografia do poder. Tradução: Maria Cecília França. São Paulo: Ática,
1993.
SACK, R. Human Territoriality: its theory and history. Cambridge: Cambridge
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SÁ FILHO, Bernardo P.
de. Cartografias do prazer: boemia e prostituição em Teresina
(1930-1970). Dissertação [mestrado em história do Brasil]. Universidade Federal
do Piauí. Teresina, PI, 2006.
SAQUET,
Marcos Aurélio. O território: Algumas interpretações. (mimeo).
SOUSA, Marcelo José Lopes. O Território: sobre espaço e poder, autonomia
e desenvolvimento. In: Geografia
Conceitos e Temas. Organizado por Iná Elias de Castro, Paulo César Costa Gomes,
Roberto Lobato Corrêa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
__________ [1]
Graduado em Geografia, Especialista em Metodologias Inovadoras de Ensino, Educação, Trânsito e Meio Ambiente. Mestrando do programa de Mestrado Acadêmico em Geografia da Universidade Estadual do Ceará. E-mail: stanleybraz@yahoo.com.br
[revista dEsEnrEdoS - ISSN 2175-3903 - ano III - número 8 - teresina - piauí - janeiro fevereiro março de 2011]