Se há no céu um corpo
onde a luz é concebida,
necessário faz-se um outro
que lhe inspire a vida.
(A urdidura da tramA – Giordano, 1998)
escavação
em meio
a lugar nenhum,
ossos e
resquícios
de uma história
mal
contada
a cidade
que emerge em
ruínas
revela seus
pequenos pecados
o fogo cerimonial é aceso
para conter a ira dos deuses
e o jovem guerreiro
oferece o coração
em sacrifício
sobressalto
de uma noite
em descompasso
falta de ar
transpiração
e o sol
ainda nem despontou
na moldura
do quarto
Dédalo
ergue paredes tortuosas
em sua própria cabeça
travessia incerta
alucinação
a luz
a luz
a luz
travesseiro de pedra
ônibus
em circulação
vomitam
carbono
sem promessas
o dia amanhece
e ponto.
lavar o rosto,
espantar o sono
e encarar o fantasma
no espelho
trinta e poucos anos
– sim,
estes ossos devem pertencer
a um homem de uns
trinta e poucos anos
máscara sagrada
de algum ritual,
invocação dos espíritos:
deuses da chuva
deuses da terra
deuses de todas
as forças da Natureza,
abençoai nossas plantações
potes de cereais
– sim,
estes cacos de cerâmica
nos dão mostras
de uma civilização
bem desenvolvida
fazer as contas
na ponta do lápis
e separar o dinheiro
do supermercado
um quilo de batatas
meia dúzia de tomates
um pacote de arroz
de um solstício
a outro
a Terra deixa sinais
de suas translações.
(O elemento subterrâneO – Demônio Negro, 2007)
lã
des
fio
o
fio
da
fi
na
malha
no
fio
da
na
valha
des
a
fio
(O elemento subterrâneO – Demônio Negro, 2007)
EsfingE
fere
o fio da navalha
no meio-fio
da meada
cortando as veias de
asfalto
por onde flui
o sangue tenso
que escorre
aos subterrâneos
do turvo medo
oculto por detrás
de muros imundos
e paredes erguidas em
concreto
armado até os dentes
das novas arquiteturas
envelhecidas nas alturas
de edifícios que
arranham os céus
carregados de poeira
e fumaça
por onde vaza
a seca luz
do Sol
insondável
fere
a fina retina
dos olhos
a luz ilusória das telas
que trans
figuram os fatos
em teatros do real,
em cenas e cenários
reluzentes
que invadem as casas,
quartos e salas,
todos os cantos
e recantos
do seu refúgio
inviolável
a sua poltrona
mais confortável
a sua atenção
mais atônita
o seu silêncio
mais soturno
diante de
mosaicos modernos
de
vidro
e violência
fere
a fina pele
dos dias
a fome voraz
dos tempos con
tempo
râneos
metal
encravado
nos corações
que correm
ainda mais
atrás do tempo
sem tempo de ser
tempo
o tempo que
voa veloz
em ciclos
constantes
a re
volver
o próprio
Tempo
(Trecho inicial do livro-poema EsfingE – Edição do Autor, 2010)